Crianças de pré-escola aprendem a fazer indicações de livros para pessoas da escola e da comunidade e, assim, compartilham suas histórias preferidas.
"Quando eu era bebê eu era bonito? Em outros lugares os animais perguntaram a seus pais a mesma coisa, mas quando chegou na história do sapo a conversa foi outra. E se você quiser saber o restante desta história compre o livro: Como É que Eu Era Quando Era Bebê?"
Luana, Lucas, André, Melissa, Giovanna e Laura estavam na préescola e, apesar de ainda não terem sido formalmente alfabetizados, já gostavam muito de histórias, como se pode ver no texto acima, criado por eles na Creche/Pré-Escola Central da Universidade de São Paulo (USP).Como todas as crianças que chegam aos 6 anos, eles tiveram a chance (no ano passado) de participar de um projeto de imersão no universo da leitura e da escrita que culminou com a produção de resenhas sobre as obras preferidas.
O grupo escreve a resenha: um escriba passa para o papel as idéias e opiniões dos colegas sobre os livros prediletos.
"Um trabalho desse tipo é uma necessidade hoje, pois as crianças precisam ter acesso à norma culta desde cedo para poder ter uma participação social efetiva no futuro", diz Beatriz Gouveia, coordenadora do Programa Além das Letras do Instituto Avisa Lá, em São Paulo."Engana- se quem acha que isso é escolarizar a Educação Infantil, ocupando o tempo da brincadeira para ensinar conceitos e definições da língua.Assim como oferecemos experiências com música, arte e natureza, apresentar práticas sociais de leitura e escrita é algo que as crianças também têm o direito de vivenciar."
De fato, num país como o nosso, em que apenas 26% da população é plenamente alfabetizada e onde cada cidadão lê em média apenas 1,8 livro por ano (contra 2,4 na Colômbia, cinco nos Estados Unidos e sete na França), estimular a leitura desde os primeiros anos de escolaridade é uma importante missão da escola.
Na Creche da USP, o contato com textos começa bem antes de a garotada aprender a ler e escrever. Os professores formam bons leitores utilizando livros de vários gêneros (contos de fada, contos modernos, lendas, mitos e fábulas) desde o berçário. A partir de 1 ano e meio de idade, todos podem pegar emprestadas obras na biblioteca. Não é de estranhar que, aos 6, essa turma consiga produzir resenhas. O projeto Indicação literária se encerra com a Feira Cultural do Livro. "O objetivo é que as crianças usem os textos para convidar familiares e funcionários a ler os livros de que elas mais gostam", explica Clélia Cortez Moriama, coordenadora pedagógica.
Em 2006, as professoras Andréa Bordini Donnangelo e Cláudia Elisabete Duarte Calado de Souza perguntaram: "Como podemos ajudar os visitantes da feira a ler nossos livros prediletos?"Surgiram respostas como apontar oralmente os mais apreciados e expor os exemplares da biblioteca. Elas, então, apresentaram as inconveniências dessas ações e propuseram a criação de textos curtos com informações sobre cada obra.
As crianças manusearam catálogos de editoras, leram as resenhas com as professoras e se convenceram de que essa era uma boa solução.Na biblioteca, escolheram os títulos preferidos e, em grupos de quatro ou cinco, entraram em ação.Para começar, todos retomaram a leitura para relembrar a narrativa e discutir como produzir os textos.
Cada grupo tinha um escriba,que passava para o papel o que era ditado pelos colegas. A primeira versão trazia informações como título, autor, editora e uma curta descrição. Em seguida veio a revisão - apenas uma resenha por dia para preservar as outras atividades de rotina. Primeiro, Andréa e Cláudia leram cada texto na íntegra e em voz alta. Depois, releram em partes, perguntando se havia algo a alterar. "Chamávamos a atenção para os erros de concordância e as marcas da oralidade, como né e tá", explica Andréa. "A ortografia não é importante nessa idade", complementa Cláudia.As modificações foram copiadas no quadro- negro e uma criança de cada grupo anotou a nova versão.
O objetivo era estimular o propósito social e comunicativo da escrita. Por fim, os textos foram colados em cartolinas colocadas na entrada da Feira Cultural do Livro.No dia do evento, os pequenos mostraram suas produções aos visitantes e alguns até compraram os livros indicados para ter um exemplar em casa.
As indicações feitas pela garotada vão para o mural, onde são lidas pelos visitantes da feira do livro.
Produzir resenhas literárias...
Ajuda a formar bons leitores e escritores.
Apresenta um gênero textual.
Ensina a socializar os livros prediletos.
Aprendizes de críticos
O sucesso de um projeto de indicação literária depende de certos requisitos. A assessora Beatriz Gouveia apresenta algumas condições didáticas importantes:
Tenha um bom acervo de livros. Para selecionar os títulos mais adequados, certifique-se de que eles são bem ilustrados e não têm vocabulário pobre ou infantilizado. A trama, é claro, deve ser interessante.
Leia diariamente para as crianças. Essa ação deve fazer parte da rotina e não apenas "se sobrar tempo".
Prepare-se para a leitura. É importante arrumar o ambiente para que as crianças fiquem confortáveis. Também é essencial ler o livro antes de socializá-lo com a turma. Assim, você consegue fazer uma breve apresentação do que será lido.
Ensine a diferença entre ler e contar. Para que as crianças se familiarizem com a linguagem escrita, leia o que está escrito, sem acrescentar nem omitir nada. Na hora de contar uma história, a linguagem é menos formal e mais coloquial.
Conhecer para indicar. Na hora de partir para a produção das resenhas, os alunos precisam conhecer muito bem os livros que serão indicados (e gostar deles).
Dividir os grupos. Cabe a você organizá-los de acordo com o conhecimento que as crianças têm sobre a escrita. A mais experiente vira escriba, enquanto as outras ditam o texto.
Revisar para facilitar. A discussão coletiva de cada texto tem o intuito de torná-lo mais fácil e instigante para o leitor.
Quer saber mais?
CONTATO
Creche/Pré-Escola Central da Universidade de São Paulo, Av. da Universidade, 200, 05508-900, São Paulo, SP, tel. (11) 3032-2233
BIBLIOGRAFIA
Além da Alfabetização, Ana Teberosky e Liliana Tolchinsky, 296 págs., Ed. Ática, tel. (11) 3990-2100, 39,50 reais
Diálogo entre o Ensino e a Aprendizagem, Telma Weisz, 136 págs., Ed. Ática, 33,50 reais
Ler e Escrever na Escola, Delia Lerner, 128 págs., Ed. Ar tmed, tel. 0800-703-3444, 32 reais
Ler e Escrever, Anne-Marie Chartier, Christiane Clesse, Jean Herbrard, 170 págs., Ed. Artmed, 38 reais
Psicopedagogia da Linguagem Escrita, Ana Teberosky, 152 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2233-9000, 25,60 reais